Junho, 2025
O conflito entre Irã e Israel é marcado por tensões ideológicas, políticas e militares que se intensificaram ao longo das últimas décadas, especialmente após a Revolução Islâmica de 1979. Antes desse marco histórico, os dois países mantinham relações diplomáticas e comerciais relativamente próximas. No entanto, com a ascensão do Aiatolá Khomeini e a instauração da República Islâmica, o Irã passou a adotar uma postura hostil em relação a Israel, rompendo as relações bilaterais e posicionando-se como inimigo declarado do Estado judeu.
A origem dessa rivalidade está fortemente ligada à visão ideológica do regime iraniano, que passou a tratar Israel como uma “entidade sionista ilegítima” e a defender abertamente a causa palestina. Desde então, o Irã tem apoiado diversos grupos armados que se opõem a Israel, como o Hezbollah, no Líbano, e o Hamas, na Faixa de Gaza, consolidando um eixo regional conhecido como "Eixo da Resistência".
Um dos principais pontos de tensão contemporâneos é o programa nuclear iraniano. Israel vê com extrema preocupação a possibilidade de o Irã desenvolver armas nucleares, considerando isso uma ameaça existencial. Por outro lado, o governo iraniano insiste que seu programa tem fins exclusivamente pacíficos e civis. Essa desconfiança mútua tem alimentado uma série de ações e reações militares, incluindo operações de inteligência, ataques a instalações estratégicas e o fortalecimento de alianças regionais.
Além do fator militar e ideológico, analistas apontam que a disputa por influência regional também está no centro da rivalidade. O Irã busca expandir sua presença e liderança no Oriente Médio por meio de aliados e milícias, enquanto Israel tenta conter essa expansão e preservar sua segurança estratégica. Acrescenta-se a isso a questão da política interna israelense, com setores do governo defendendo um projeto expansionista conhecido como “Grande Israel”, o que, segundo estudiosos, também acirra os conflitos externos como forma de reforçar a unidade nacional.
O conflito que recentemente abalou os mercados globais foi caracterizado por uma escalada rápida e perigosa. A tensão latente entre Irã e Israel transbordou para um confronto direto, marcado por uma série de ataques e retaliações. A situação se agravou drasticamente com o envolvimento direto dos Estados Unidos, que realizaram ataques aéreos contra instalações nucleares iranianas, incluindo os centros de enriquecimento de urânio de Fordow e Natanz, entre 21 e 22 de junho. Essa intervenção elevou o confronto a um novo patamar, aumentando o temor de uma guerra regional em larga escala.
Em meio à escalada, surgiram relatos de um "cessar-fogo" repentino, anunciado pelo então presidente dos EUA, Donald Trump, e supostamente aceito por ambos os lados. No entanto, a trégua provou ser extremamente frágil. Horas após seu anúncio, Israel acusou o Irã de violar o acordo com o lançamento de mísseis, uma alegação que Teerã negou veementemente. Essa troca de acusações e a contínua postura de prontidão militar de ambos os lados sublinham a extrema volatilidade do cenário, deixando claro que qualquer momento de calma é precário e que o risco de uma nova explosão de violência permanece elevado.
A vulnerabilidade do agronegócio brasileiro à crise no Oriente Médio é uma consequência direta de sua estrutura de suprimentos. Os dados revelam um quadro de dependência crítica que transforma o país em um importador de instabilidade geopolítica, conforme os pontos listados abaixo:
• Dependência geral: o Brasil importa aproximadamente 85% de suas necessidades totais de fertilizantes, um número consistentemente citado por analistas e que serve como a métrica fundamental da exposição do país a choques externos;
• Volume de ureia: especificamente para a ureia, o volume de importação tem sido robusto e crescente. Em 2023, as importações totalizaram 7,31 milhões de toneladas, um aumento em relação às 7,09 milhões de toneladas de 2022. Em 2024, esse volume saltou para 8,3 milhões de toneladas, evidenciando uma demanda crescente;
• Custo financeiro: essa dependência tem um custo financeiro significativo. Em 2024, o Brasil despendeu US$13,6 bilhões na importação de fertilizantes, um valor que sublinha o peso desses insumos na balança comercial do agronegócio.
Diante desse cenário de alta dependência, o Irã emergiu nos últimos anos como um fornecedor estratégico e indispensável de ureia para o Brasil, criando um nexo de interdependência que se tornou o epicentro do impacto da crise.
O país persa é um dos principais produtores e exportadores de ureia do mundo, com capacidade de produção anual de cerca de 9 milhões de toneladas e volume de exportação de aproximadamente 5 milhões de toneladas, sendo crucial para o equilíbrio do mercado internacional. No Brasil, sua relevância é ainda mais acentuada. Em 2024, o país persa foi responsável por 17% de todas as importações brasileiras de ureia. Outras estimativas colocam essa parcela entre 17% e 20%. Sob outra perspectiva, o mercado brasileiro absorve cerca de 25% de todas as exportações de ureia do Irã, tornando-se um cliente essencial para a indústria petroquímica iraniana.
As relações comerciais históricas foram fortalecidas por acordos bilaterais. Em anos anteriores, autoridades iranianas e brasileiras discutiram a possibilidade de triplicar as exportações de ureia para o Brasil, elevando o volume de 600 mil toneladas para até 2 milhões de toneladas anuais, um movimento que visava garantir um fornecimento estratégico para a agricultura brasileira. Essa parceria, embora benéfica em tempos de paz, concentrou o risco em um único fornecedor localizado em uma das regiões mais voláteis do mundo.
A crise de fornecimento de ureia que atingiu o Brasil não foi meramente uma questão de risco logístico ou especulação de preços, mas sim fundamentada em uma interrupção física e abrupta da produção em dois dos mais importantes polos exportadores do mundo. O primeiro e mais óbvio impacto do conflito foi a paralisação das plantas de produção de fertilizantes no Irã. As fábricas de ureia e amônia, que formam a espinha dorsal do setor petroquímico do país, foram forçadas a interromper suas operações. A razão para a parada foi dupla: ameaça de guerra e interrupção da distribuição de gás natural.
A ameaça de novos ataques militares tornou a operação de complexos industriais de grande porte, que lidam com materiais voláteis como a amônia, extremamente perigosa, comprometendo a segurança dos trabalhadores e a integridade das instalações.
A produção de ureia é um processo intensivo em energia, utilizando gás natural como matéria-prima principal. Relatos indicam que um ataque de drone israelense atingiu a refinaria de gás Fajr Jam, no campo de South Pars, interrompendo o fluxo de gás para as plantas petroquímicas. Como medida de segurança, os produtores foram forçados a esvaziar seus tanques de amônia para mitigar o risco de explosões catastróficas em caso de novos ataques.
Tal paralisação removeu instantaneamente do mercado global um volume significativo de ureia, estimado em milhões de toneladas anuais, criando um vácuo de oferta que os mercados globais lutam para preencher. O que transformou uma crise de oferta regional em uma crise global foi o efeito dominó que se espalhou para o Egito, outro grande exportador de ureia. A indústria de fertilizantes egípcia também foi forçada a paralisar sua produção, mas por uma razão indireta que revelou as complexas e frágeis interdependências energéticas da região.
A produção egípcia foi interrompida devido à falta de gás natural. O país depende de importações de gás de Israel para alimentar parte de sua indústria. Com a escalada do conflito, Israel cessou as exportações de gás para o Egito através de gasodutos, como medida de segurança ou para redirecionar o recurso para suas próprias necessidades energéticas em tempos de guerra. Tal desenvolvimento foi crucial, demonstrando como a instabilidade geopolítica pode se propagar através de redes de infraestrutura que, em tempos normais, são vistas como vetores de cooperação econômica. O gasoduto Israel-Egito, um símbolo de uma paz fria, mas funcional, tornou-se um condutor de crise.
O resultado foi que o mercado global perdeu, simultaneamente, dois de seus principais fornecedores de ureia: um diretamente afetado pela guerra e o outro por um efeito colateral de segunda ordem. Isso amplificou massivamente o choque de oferta, tornando a crise muito mais severa do que seria se apenas o fornecimento iraniano tivesse sido interrompido. Para os gestores de risco, a lição foi clara: a análise de vulnerabilidade não pode se limitar à localização do fornecedor direto, mas deve se estender à origem de suas matérias-primas e fontes de energia.
A soja, por exemplo, embora seja uma cultura que fixa parte do nitrogênio atmosférico por meio da simbiose com bactérias do gênero Rhizobium, ainda depende da aplicação de ureia para maximizar seu potencial produtivo em diversas regiões, principalmente no Cerrado, onde há menor disponibilidade de matéria orgânica no solo. Cerca de 30% dos produtores de soja do Matopiba utilizam ureia como fonte suplementar de nitrogênio durante o desenvolvimento vegetativo da cultura. A ausência ou escassez desse insumo compromete a produtividade e eleva os custos por hectare, pressionando a rentabilidade do produtor (CONAB, 2024).
Em semelhança, um resultado que pode ser intensamente impactado é o da produção de milho safrinha, que representa mais da metade da produção total de milho do país. Essa cultura é fortemente dependente de adubação nitrogenada, especialmente em cobertura, com destaque para a ureia como fonte preferencial por razões econômicas e logísticas. A interrupção no fornecimento obrigou muitos produtores a adiarem aplicações ou substituírem a ureia por fontes mais caras, como o nitrato de amônio, elevando os custos de produção em até 15%. Esse aumento de custo não apenas compromete a margem de lucro, como também impacta os preços do milho no mercado interno, influenciando cadeias subsequentes, como a da pecuária e da avicultura (ABRAMILHO, 2024).
A cana-de-açúcar, setor estratégico para a produção de etanol e bioeletricidade, também sofreu pressões consideráveis. Aproximadamente 70% da adubação nitrogenada utilizada nos canaviais é composta por ureia. O fornecimento intermitente do insumo forçou usinas e fornecedores independentes a planejarem suas estratégias de fertilização, adotando soluções emergenciais como a redistribuição da ureia disponível entre as áreas mais produtivas e a antecipação de contratos com fornecedores alternativos, majoritariamente asiáticos, a preços inflacionados. Essa reação elevou o custo por tonelada de cana em um cenário de margens já comprimidas pela volatilidade dos preços do açúcar e do etanol no mercado internacional (UNICA, 2024)
Diante do contexto apresentado, considera-se válida a ponderação de alguns cenários que, ainda que sejam hipotéticos, possibilitam a construção de uma análise mais holística e integrada da situação. Nesse sentido, a seguir são apresentadas algumas hipóteses de acontecimentos no contexto descrito, tanto atenuantes quanto agravantes.
Como meios de atenuação a tais impactos, a expansão do mercado de fornecedores, buscando parceiros para o fornecimento de fertilizantes torna o Brasil menos dependente. Analistas já citaram que o país pode ampliar compras junto a países não-médio-orientais, como China e Marrocos, e reforçar acordos com grandes produtores árabes (como Catar, Arábia Saudita, Omã, Egito e Marrocos), que atualmente respondem por cerca de 26% das importações brasileiras. Em 2022, o Ministério da Agricultura defendeu uma "diplomacia dos insumos" nesse sentido, e estrategistas recomendam intensificar negociações com exportadores europeus e asiáticos além do Oriente Médio. Ainda nesse sentido, ressalta-se o potencial do nosso país explorar as multilateridades dos blocos econômicos que pertencem (BRICS, MERCOSUL).
Além disso, a reativação de usinas paralisadas pode contribuir para a minimização da dessa dependência, aumentando a capacidade de produção nacional brasileiras. Especialistas recomendam reativar e expandir plantas estratégicas de fertilizantes nitrogenados e fosfatados, como as unidades da Petrobras em Araucária (PR) e Três Lagoas (MS). Isso reduziria a dependência de importações em momentos de ruptura. Ainda estão em análise acordos para encomendas a fabricantes privados, como a Unigel, com o objetivo de elevar a produção interna de amônia e ureia.
Em contrapartida, caso outras potências entrem no conflito apoiando um dos lados, sanções secundárias podem afetar insumos além da ureia. A Rússia, por exemplo, é grande produtora de potássio e nitrogênio; se se alinhasse ao Irã e enfrentasse sanções mais rígidas, o Brasil sofreria com a escassez de potássio (K) e fósforo (P) importados. Atualmente, o Brasil importa cerca de 97% do potássio que consome. Uma interrupção nesse suprimento elevaria significativamente o preço dos fertilizantes e impactaria culturas exigentes em potássio, como milho e soja. O mesmo risco vale para o fósforo e outros minerais: conflitos ampliados podem gerar um “efeito dominó” sobre toda a base de insumos agrícolas, não apenas sobre a ureia.
A crise no fornecimento de ureia revela a fragilidade do modelo atual de abastecimento do agronegócio brasileiro, extremamente depende do fornecimento iraniano. A partir disso, são evidenciados os consequentes impactos de tal modelo à produção agrícola brasileira, fundamental não só à economia nacional, mas também à segurança alimentar, sendo a influência desta em nível global, devido à magnitude do Brasil no setor. Assim, nota-se a interdependência entre geopolítica e segurança alimentar.
O choque imediato gerado pelo conflito Irã-Israel alerta a necessidade estratégica de mudanças estruturais na cadeia de suprimentos, exigindo ações coordenadas entre governo, setor privado e comunidade científica. Esta é fundamental ao setor através de P&D, possibilitando a inovação tecnológica, que proporciona uma maior utilização dos recursos necessários à produção, alavancando, ainda, a produtividade.
Em síntese, entende-se que o futuro da competitividade agroexportadora do Brasil dependerá, em grande medida, da capacidade de contornar tal vulnerabilidade, através, por exemplo, das medidas expostas neste.
ABRAMILHO. Associação Brasileira dos Produtores de Milho. Relatório Técnico de Impactos 2024. Disponível em: <https://www.abramilho.org.br/relatorio2024>. Acesso em: 27 jun. 2025.
BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Plano Nacional de Fertilizantes (PNF). Disponível em: <https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/politica-agricola/pnf>. Acesso em: 27 jun. 2025.
CONAB. Companhia Nacional de Abastecimento. Acompanhamento da Safra Brasileira: Grãos – 10º levantamento, 2024. Disponível em: <https://www.conab.gov.br/info-agro/safras>. Acesso em: 27 jun. 2025.
EMBRAPA. Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. Relatório de Tendências e Bioinsumos no Brasil. Disponível em: <https://www.embrapa.br/bioinsumos/relatorio2023>. Acesso em: 27 jun. 2025.
GLOBO. Crise na importação de potássio pode afetar o Brasil. Disponível em: <https://valor.globo.com/patrocinado/dino/noticia/2024/01/09/crise-na-importacao-de-potassio-pode-afetar-o-brasil.ghtml>. Acesso em: 26 jun. 2025.
OCDE. Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Agricultural Policy Monitoring and Evaluation 2023. Disponível em: <https://www.oecd.org/publications/agricultural-policy-monitoring>. Acesso em: 27 jun. 2025.
REUTERS. Brasil enfrenta alta dos fertilizantes em meio a conflito no Oriente Médio. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/economia/macroeconomia/brasil-enfrenta-alta-dos-fertilizantes-em-meio-a-conflito-no-oriente-medio>. Acesso em: 26 jun. 2025.
UNICA. União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia. Balanço da Safra 2023/2024. Disponível em: <https://www.unica.com.br/publicacoes>. Acesso em: 27 jun. 2025.
ZANATTA, B. Conflito entre Israel e Irã traz reflexos para cotonicultura brasileira. ABRAPA, 23 jun. 2025. Disponível em: <https://abrapa.com.br/2025/06/23/conflito-entre-israel-e-ira-traz-reflexos-para-cotonicultura-brasileira>. Acesso em: 26 jun. 2025.